Crise econômica próxima do fim?
As lições da crise, um ano depois
José Renato Salatiel*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva na reunião de chefes de Estado do G20, em abril de 2009 |
Neste dia, o Lehman Brothers quebrou e outros três bancos de investimentos dos Estados Unidos, o JP Morgan, o Merril Lynch e o Goldman Sachs, quase foram à falência. Para se reerguerem, pediram socorro ao governo. Era o início da atual crise econômica mundial, que mudou o panorama geopolítico do mundo globalizado e deixou uma dívida que, no futuro, pode resultar em novos abalos no sistema financeiro. Para evitar isso, é preciso criar mecanismos mais eficientes para regulamentar a especulação com capitais de risco.
A questão de como será feito esse controle é justamente um dos pontos de divergência da cúpula do G-20, grupo dos países ricos e emergentes. Eles se reúnem no final deste mês de setembro nos Estados Unidos para chegar a um acordo sobre como sair da crise.
Quase um ano depois, o consenso é que o pior já passou e que os efeitos, contrariando os mais pessimistas, foram menos catastróficos que o esperado. De acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), a previsão é de recuo em 1,3% da economia global este ano - contra a estimativa anterior de 1,4% de retração - e recuperação somente no final de 2010.
Trocando em miúdos, o capitalismo entrou agora na fase de recuperação. No entanto, para o G-20, ainda é cedo para suspender a irrigação de setores privados com verbas públicas. É uma aposta necessária, mas que não agrada a todos. Manter os pacotes de estímulos monetários e fiscais do Estado tem um custo político: o contribuinte sabe que foi ele quem pagou pela "lambança" no mercado financeiro, e deve retribuir seu descontentamento nas urnas.
Governos gastaram trilhões de dólares de impostos e aposentadorias para salvar bancos à beira da falência, "azeitar" o setor industrial e gerar empregos. Com isso, mais as medidas de reajustes fiscais, conseguiram resgatar a economia do buraco.
Brasil
O mundo pós-crise que surgiu dessa manobra trouxe também um novo rearranjo no tabuleiro da geopolítica mundial. Os Estados Unidos elegeram o primeiro presidente negro de sua história, Barack Obama, com a promessa de reerguer a maior potência econômica do planeta.Desde o início da recessão, o país viu desaparecer 6,9 milhões de vagas e amarga a pior taxa de desemprego em 26 anos. O americano está endividado e sem poder de consumo, o que deve retardar ainda mais a recuperação da economia doméstica.
Na Europa, mesmo com o setor bancário menos atingido, o desemprego é o maior em dez anos, o que deu vazão a políticas de restrições à imigração. E, pela primeira vez, a China ultrapassou a Alemanha e se tornou o principal país exportador no mundo, provocando uma mudança no fluxo de capitais entre Estados Unidos e Europa.
Aliás, são os países que compõe o chamado Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), grupo das economias emergentes, que saem fortalecidos da crise, com maior poder político e de atração de investimentos.
No Brasil, a recessão durou exatamente dois trimestres, contra o dobro em nações mais ricas, como Estados Unidos, França e Alemanha. Para este ano, a estimativa de crescimento é de quase 2%, contrastando com as taxas negativas em outros países.
Contribuiu para isso uma economia estável e um mercado financeiro com pouca alavancagem - termo usado para quando uma empresa investe aquilo que não tem. Foi esse tipo de operação de risco que deu início ao período de recessão.
Bolha imobiliária
No final de 2008, instituições financeiras promoviam uma verdadeira "roleta russa" com as economias de pessoas comuns. Havia juros baixos e crédito farto para operações de alto risco e lucro incerto.Os americanos pegavam dinheiro emprestado dos bancos para comprar casas, contraindo dívidas que não poderiam pagar. Com a maior procura, os imóveis eram valorizados. Os bancos, por sua vez, faziam contratos de segunda linha, chamados subprimes, e repassavam para as seguradoras, visando se cobrir de eventuais calotes. Os papéis eram ainda negociados com investidores e fundos de aposentadoria.
A ideia era, no final, todos saírem ganhando. Mas aí os juros aumentaram e os americanos não conseguiram pagar as dívidas, perdendo as casas hipotecadas. Os bancos colocaram os imóveis à venda, causando queda nos preços de mercado.
De uma hora para outra, empresas se viram cobertas de títulos "podres" dos quais precisavam se livrar o mais rápido possível, antes que se desvalorizassem mais ainda. A situação era o que os especialistas chamam de estouro da "bolha".
A volta do Estado
Daí por diante, foi um efeito dominó. Com a confiança abalada no mercado, créditos deixaram de ser concedidos e os investidores se afastaram. Sem crédito, houve queda de produção e as fábricas fecharam, como aconteceu com a indústria automobilística.Como resultado, milhares de pessoas perderam o emprego, gerando queda no consumo e na arrecadação de impostos. Os países entraram em período de recessão, que é quando deixam de crescer e acumulam perdas no Produto Interno Bruto (PIB), a soma de riquezas de uma nação.
Mas por que a crise não foi prevista? Por que não se adotaram mecanismos para impedir que isso acontecesse?
Controles existem, mas são frágeis: um dinheiro investido em uma ação da Bolsa atravessa o mundo em questão de segundos, enquanto as agências que controlam as transações financeiras, como os bancos centrais, ficam restritas às fronteiras de cada país.
Além disso, nos últimos 50 anos a crença dominante entre economistas era de um mercado autorregulado, aquilo que Adam Smith (1723-1790), pai da economia moderna, chamava de "mão invisível". Quando menos o Estado interviesse, melhor.
A doutrina da "mão invisível" saiu abalada com a crise e hoje se fala em reconstrução do papel do Estado na economia global. O problema dessa história é que o Estado está fazendo isso contraindo dívidas que podem ser o germe da próxima depressão.
Os Estados Unidos, que gastaram US$ 12 trilhões em pacotes para salvar bancos e indústrias, a previsão é terminar o ano com déficit de 11% do PIB (no Brasil, estima-se em torno de 3%).
Enquanto isso, os grandes bancos que antes estavam à margem do abismo comemoram a saída do vermelho. Voltaram a faturar. Melhor do que isso, saíram da crise com uma espécie de salvo-conduto: a garantia de que, a despeito das especulações de risco, poderão ser ajudados novamente pelo governo.
Não se sabe quando ocorrerá a nova crise. A única certeza é que, a menos que sejam implementadas medidas mais enérgicas de controles das finanças internacionais, ela virá. E nem é preciso ser economista para saber quem vai pagar a conta novamente.